26 de set. de 2007

Bater, também Cansa.

É admirável o apego da elite bucaneira às coisas sem substância, como igualmente é admirável a sua “apreensão” da realidade social, bastante limítrofe e que procura, autoritariamente, submeter toda complexidade social e humana a uma mera acepção ditada pelo Eu, considerado aqui como sendo o único fundamento da realidade. Basta observar a sua reação em relação a certos acontecimentos. Em tempos modernos, a sensibilidade diante das coisas, e, principalmente das pessoas que nos rodeiam, é quase nula. Existimos num país em que a "sociedade", com destaque para a elite e a classe mérdia, se espanta com os ataques do PCC como se fosse anormal a presença da violência (em todos as suas formas opressoras) numa organização "social" com o posto de segunda pior desigualdade de toda orbe. Para os seres humanos que habitam nas periferias, a violência não é nenhuma novidade, pois a ausência do Estado é presente; não é novidade não porque concordam com a violência e sim porque sabem, pela experiência, que são invisíveis para a "sociedade", e quando são "percebidos" são tidos como "culpados" por serem pobres e miseráveis. Como é notório, o modelo de poder herdado da Casa Grande é visivelmente presente nas consciências dos habitantes de Pindorama. A justiça aqui é confundida com vingança. Há quem afirme ser o motivo da violência no Brasil a ausência de firmeza por parte da polícia. Assim, a pena de morte é bem vinda, como também o é a violação de certos direitos humanos, a começar pela tortura, não para todos, é claro, mas para alguns que "mereçam", como presidiários em geral, todos naturalmente "bandidos". Não é de se estranhar que certos defensores dos direitos humanos precisam ser protegidos, já que são tratados feitos criminosos, como os são todos aqueles que procuram reivindicar dos seus direitos, principalmente os sociais; são eles recebidos por policiais, independentemente de ser pacífica ou não a manifestação, às pancadas; aos olhos da população, são considerados "baderneiros" ou "vagabundos". Mas o que ocorre se o “protesto” não for encabeçado pelos pobres e miseráveis, mas pela elite e os candidatos à elite? Pois é, temos uma elite inconformada, cansada e exausta - bater cansa muito.
É essa elite que é o “farol da modernidade”, afirma a revista Veja. O povo é estúpido e não pode ser autônomo, mas apenas tutelado, e claro por uma elite “culta”, atenta às necessidades da sociedade, já que possui uma visão ampla. Não é necessário dizer aqui o quão tosca e burra é a elite nacional e a Veja – ambas se merecem. Para termos uma pálida idéia da inteligência da elite e da sua capacidade de entender a complexidade das relações sociais modernas, exporemos algumas “análises” profundas emitidas pelos participantes do movimento “Cansei”. Patrícia Rollo, por exemplo, não admite que apontem a elite como a responsável pelas mazelas histórias do país: “os menos privilegiados fantasiam a elite como uma vida perfeita”. Continua com sua complexa análise: “o povo está acomodado. Não vou falar dos baianos. Será que devo falar? Até pelo clima, pelo calor, pela falta de cultura, é inerte. Tem gente que fica com a bolsa família e não trabalha mais.” Quanta asneira para uma pessoa só!!! Patrícia, socialite inconformada, nosso farol, se vale, obviamente sem saber, de uma tese do século XVI - tempo em que repousa o seu inutilizado cérebro com as minhas desculpas aos homens do século XVI: a de que o clima é o fator determinante da moral!!! Nessa complexa lógica, os baianos emergem como pré-dispostos à inércia, à preguiça e daí a falta de cultura desse povo, pois cultura possui apenas a elite – nota-se o quão é profundo o conhecimento de Patrícia Rollo sobre a terminologia cultura, conceito esse que antropólogos, sociólogos, etc, fundem a cabeça para entenderem.
Como a elite nacional é muito culta, a informação é uma necessidade. Não pode, portanto, se valer apenas de uma única fonte do saber. Assim, além da Veja (o santo Graal dos “informados”), consulta Gabriel Chalita, o “teórico” da pedagogia do amor – para Chalita, educação é amor!!!. Tal como um artigo de luxo, o conhecimento igualmente precisa ser “adquirido”, já que marca um estilo. Para quem não conhece Gabriel Chalita, esse é o gênio que escreve livros à velocidade que defeca – até o produto das duas ações é o mesmo. De acordo com Chalita, “o Lula dá uma idéia de separatismo que é ruim, preconceituosa.” Que farol, que genialidade!!! Agora o Lula inventou a desigualdade. O problema não reside no fato de que habitamos na segunda pior desigualdade do mundo; o problema é o Lula, que é chato, preconceituoso, pois se não fosse o sapo barbudo (que não atrapalhou em nada os lucros da elite) não haveria conflito!!! Mas, para terminar, ressalta nosso farol: “Gosto de ganhar dinheiro, não sou hipócrita, mas tenho preocupação social”. Ah! Que bom!
Mas parece que surgiu um novo “farol” para ocupar, junto com Chalita e outros “esclarecidos”, o posto de Guru. E a elite nacional o aceitou alienantemente e cinicamente. Estamos a falar aqui do sociólogo Alberto Almeida que acaba de lançar o livro “A Cabeça do Brasileiro”. Esse estudo nos remonta a “argumentos” elitistas dos séculos precedentes. Nosso sociólogo fez uma “descoberta científica”: a elite é menos corruptível que as classes populares!!! Percebe-se o quanto Alberto Almeida conhece profundamente a história brasileira. É como se a corrupção fosse uma mera questão intelectual: basta ter clareza entre o que é público e o que é privado para não ser corrupto!!! Assim, se a elite afirma ser não corrupta, logo ela não é; do mesmo modo, basta o povo titubear diante das perguntas “científicas” para logo ser corrupto. Diga-se de passagem, que a cultura do “jeitinho” nada mais é do que a descrença da sociedade frente a todas instituições que, como todos sabem (menos Alberto Almeida), é resultado de práticas corruptoras exercidas sistematicamente há séculos pela elite “instruída”. Realmente é um farol a cegar os olhos!!!
Falemos de outros faróis. Uma outra tese tão antiga quanto o reino mineral é a de que não somente a elite é a mais instruída para tutelar o povo ignorante como o é somente a elite paulistana; essa sim, culta, instruída, e que possui a missão de levar o Brasil adiante. Uma das capas da revista Veja procurou colocar o Lula como sendo o “representante” do Brasil atrasado junto com os nordestinos, seus eleitores; por outro lado, encontramos o Alckmin exposto como sendo o “representante” do Brasil moderno junto com os paulistanos, seus eleitores. Como dizem, “nós, os paulistanos, temos que carregar o país nas costas” – que farol!!! A diferença entre esse tipo de “pensamento” e as dos ditos carecas é apenas o porrete, porrete esse que ao ser exercido constantemente pode causar cansaço. É com “fundamento” nessa tese que uns dos organizadores do “movimento” Cansei, o presidente da Philips Paulo Zottolo, se coloca como farol – talvez do maior surto de demência social já visto. Diz o nosso farol: “Não se pode achar que o País é um Piauí, no sentido de tanto faz quanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado. Estamos vivendo uma calamidade, não uma tragédia.” Que civilidade digna dos Hooligans.
E assim se sucede a lógica maniqueísta: os heróis de um lado, e os vilões do outros, ou melhor, os vencedores e os “ressentidos” perdedores . E mais: o governo Lula é o mais corrupto de todos!!! O Brasil se divide, portanto, antes era Lula e pós era Lula. Que o diga a quadrilha, digo o jornalismo, da Veja. Não podemos deixar de assinalar que existem certas indivíduos privilegiados sensíveis, mas boa parte sofre de demência social, não há apenas indícios de problemas mentais, é a própria demência que se aloja e que, entre tantas, fica apenas a difícil tarefa de escolher no compêndio enorme de asneiras ditas e histericamente amplificadas pela Grande Mídia como sendo o único caminho, o da luz, o farol... Mero engodo: se não tomarmos cuidado, podemos padecer de cegueira. O que já esta ocorrendo, pois não temos “sociedade" mas autofagia - é a naturalização do ódio e do autoritarismo.


Um comentário:

Anônimo disse...

Essa gente nem faz idéia da existencia do jovem poeta itabirano, que dirá do que ele escreveu algum dia: ..."o Brasil não existe".
Mas os prepúcios querem encobrir tudo. E uma forma útil de fazer isso é ignorar a própria ignorancia, fazendo dela sabedoria a serviço da "ordem" e do "progresso". Enquadra-se todo mundo e pronto, aquele que não tiver disposição ou condição de enquadramento se torna marginal. Mas pra este existe a polícia, do mesmo modo que para aqueles existe a política do cunhadismo: um carro importado pára na porta da casa, a menina entra, o agroboy come a menina e depois se casa com ela, reúne os cunhados e proclama que eles irão trabalhar para ela em sua empresa. A família alivia a barra do "rapaz da vaca", que acaba comendo todo mundo depois. E se alguém não gostar, aparece no noticiário local, morto por resistir à voz prisão ou preso, por terem "achado" cocaína no bolso dele.
O importante é comer sanduíche de poliester no MacDonald's, intimamente chamado "Mec" por aqui. Se isso vai nutrir o corpo não interessa, o que importa é fazer parte, e não ser diferente. Se não, corre-se o risco de se ser visto como o "outro". E o "outro" é sempre um risco entre os "iguais".